O Príncipe Que Há de Vir

(The Coming Prince)

Sir Robert Anderson

(1841-1918)

CAPÍTULO 4

A VISÃO JUNTO AO RIO ULAI

"O tempo dos gentios"; foi assim que o próprio Cristo descreveu a era da supremacia dos gentios. Os homens vieram a considerar a Terra como seu próprio domínio e a rejeitar a idéia da interferência divina em seus negócios. Mas, embora os monarcas pareçam dever seus tronos às reivindicações dinásticas, a espada ou às urnas -, e em sua capacidade individual o título possa depender unicamente destas, — o poder que eles detêm é delegado divinamente, pois o "Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quiser." [Daniel 4:25].

No exercício dessa alta prerrogativa, Deus tomou o cetro que tinha confiado à casa de Davi e o transferiu às mãos dos gentios; a história desse cetro durante todo o período, desde o início até o encerramento dos tempos dos gentios, é o assunto das primeiras visões do profeta.

A visão do Capítulo 8 de Daniel tem uma abrangência mais estreita. Ela trata somente dos dois reinos que estavam representados pela porção do meio, os braços e o peito, da estátua do segundo capítulo. O Império Medo-Persa, e a relativa superioridade da nação mais jovem, estão representados por um carneiro com dois chifres, um dos quais era mais alto que o outro, embora tenha crescido por último. A ascensão do Império Grego sob a liderança de Alexandre, seguida por sua divisão entre seus quatro sucessores, é tipificada pelo bode com um único chifre entre os olhos; esse chifre quebrou e deu lugar a quatro chifres que surgiram a partir dele. A partir de um desses chifres surgiu um chifre pequeno, representando um rei que se tornaria famoso como blasfemador de Deus e perseguidor do Seu povo.

Que a carreira de Antíoco Epifânio esteve de uma forma especial dentro da abrangência e significado dessa profecia é algo inquestionável. Que o cumprimento final dela pertence a um tempo futuro, embora não tão geralmente admitido, é mesmo assim suficientemente claro. A prova disso é dupla: Primeiro, não pode deixar de ser reconhecido que seus mais chocantes detalhes ainda permanecem totalmente sem cumprimento. [1] Segundo, os eventos descritos são expressamente definidos como do "último tempo da ira", [Daniel 8:19] que é "a grande tribulação" dos últimos dias, [Mateus 24:21] "o tempo de angústia" que precederá imediatamente a completa libertação de Judá. [2]

Entretanto, é desnecessário embaraçar ainda mais o assunto especial destas páginas com qualquer uma dessas discussões. No que interessa à presente investigação, essa visão do carneiro e do bode é importante principalmente como explicação das visões que a precedem. [3]

Um ponto de contraste com a profecia do quarto reino gentio exige uma observação muito enfática. A visão do reinado de Alexandre, seguida pela divisão de seu império em quatro partes, sugere uma rápida seqüência de eventos, e a história dos trinta e três anos entre as batalhas de Isso e Ipso. [4] compõem a total realização da profecia. Mas o aparecimento dos dez chifres no quarto animal na visão do Capítulo 7, parece estar dentro de um período tão breve quanto foi o surgimento dos quatro chifres no bode no Capítulo 8; ao mesmo tempo em que está claro nas páginas da história que essa divisão em dez partes do Império Romano nunca ocorreu. Uma data definitiva pode ser atribuída ao advento dos três primeiros reinos da profecia; e se a data da batalha de Actium for tomada como a época inicial do monstro híbrido que preencheu as cenas finais da visão do profeta — e nenhuma data posterior será atribuída a ela — segue-se que ao interpretar a profecia, podemos eliminar a história do mundo desde o tempo de Augusto até a hora presente, sem perder a seqüência da visão. [5] Ou, em outras palavras, a visão do profeta no futuro desconsiderou totalmente estes dezenove séculos da nossa era. Como quando os picos das montanhas se destacam juntos no horizonte, parecendo quase se tocar, apesar de uma ampla expansão de rio, campos e colinas que possam existir no meio, assim apareciam na visão do profeta esses eventos de tempos agora distantes no passado, e tempos ainda futuros.

E, com o Novo Testamento em nossas mãos, revelaríamos estranha e obstinada ignorância se duvidássemos do projeto deliberado que deixou esse longo intervalo da nossa era cristã como um branco nas profecias de Daniel. A revelação mais explícita do Capítulo 9 permite o cálculo dos anos até o primeiro advento do Messias. Mas se esses dezenove séculos tivessem sido acrescentados à cronologia do período para ficar antes de o reino prometido pudesse ser iniciado, como poderia o Senhor ter tomado o testemunho ao cumprimento próximo dessas mesmas profecias e ter proclamado que o reino estava próximo? [6] Aquele que conhece todos os corações, conhece bem a questão; mas o pensamento é ímpio que a proclamação não foi genuína e verdadeira no sentido mais estrito possível; e teria sido enganosa e falsa tivesse a profecia predito um longo intervalo da rejeição de Israel antes que a promessa pudesse ser realizada.

Portanto, é assim que os dois adventos de Cristo são trazidos aparentemente juntos nas Escrituras do Velho Testamento. As correntes de superfície da responsabilidade humana e da culpa humana não são afetadas pela maré imutável e profunda do conhecimento prévio e da soberania de Deus. A responsabilidade dos judeus era real, e a culpa deles estava sem desculpas, pois rejeitaram seu Rei e Salvador, que tinha sido prometido há tanto tempo. Eles não foram as vítimas de um destino inexorável que os arrastou para sua condenação, mas agentes livres que usaram sua liberdade para crucificar o Senhor da Glória. "O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos", foi seu terrível e ímpio grito diante do tribunal de Pilatos e, por dezoito séculos o julgamento tem sido dado a eles, para alcançar seu clímax no advento do "tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo." [7]

Essas visões estavam cheias de mistério para Daniel e ocuparam a mente do velho profeta com pensamentos perturbadores. [Daniel 7:28; 8:27] Uma longa vista dos eventos parecia assim estar diante da realização das bênçãos prometidas à sua nação e, apesar disso, essas mesmas revelações tornavam essas bênçãos ainda mais certas. Antes disso, ele tinha testemunhado a destruição do poder babilônio e vira um rei estranho ser entronizado dentro da cidade das muralhas largas. Mas a mudança não trouxe esperança a Judá. Daniel foi restaurado à posição de poder e dignidade que tinha mantido durante tanto tempo no reinado de Nabucodonosor, [Daniel 2:48; 6:2] mas mesmo assim continuava sendo um exilado; seu povo estava em cativeiro, sua cidade em ruínas, e sua terra transformada em um deserto. E o mistério foi somente aprofundado quando ele se voltou para as profecias de Jeremias, que fixaram em setenta anos o tempo destinado das "desolações de Jerusalém" [Daniel 9:2]. Assim, com orações e súplicas, com jejum, e saco e cinzas, ele se lançou diante da presença de Deus; como um príncipe entre seu povo, confessando a apostasia nacional, e implorando por restauração e perdão. E, quem pode ler essa oração sem se sensibilizar?

"Ó Senhor, segundo todas as tuas justiças, aparte-se a tua ira e o teu furor da tua cidade de Jerusalém, do teu santo monte; porque por causa dos nossos pecados, e por causa das iniqüidades de nossos pais, tornou-se Jerusalém e o teu povo um opróbrio para todos os que estão em redor de nós. Agora, pois, ó Deus nosso, ouve a oração do teu servo, e as suas súplicas, e sobre o teu santuário assolado faze resplandecer o teu rosto, por amor do Senhor. Inclina, ó Deus meu, os teus ouvidos, e ouve; abre os teus olhos, e olha para a nossa desolação, e para a cidade que é chamada pelo teu nome, porque não lançamos as nossas súplicas perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas muitas misericórdias. Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e age sem tardar; por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu povo são chamados pelo teu nome." [Daniel 9:16-19].

Enquanto Daniel estava assim "falando em oração", o anjo Gabriel mais uma vez apareceu a ele, [Daniel 9:21; veja 8:16] aquele mesmo mensageiro angelical que anunciou tempos mais tarde o nascimento do Salvador em Belém — e, em resposta às suas súplicas, entregou ao profeta a grande predição das setenta semanas.

Notas de Rodapé do Capítulo 4

[1] Faço alusão aos 2.300 dias do verso 14, e à afirmação do verso 25, "E se levantará contra o Príncipe dos príncipes, mas sem mão será quebrado."

[2] "... e haverá um tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo; mas naquele tempo livrar-se-á o teu povo, todo aquele que for achado escrito no livro." — isto é, os judeus [Daniel 12:1].

[3] O seguinte é a visão do Capítulo 8:

"No ano terceiro do reinado do rei Belsazar apareceu-me uma visão, a mim, Daniel, depois daquela que me apareceu no princípio. E vi na visão; e sucedeu que, quando vi, eu estava na cidadela de Susã, na província de Elão; vi, pois, na visão, que eu estava junto ao rio Ulai. E levantei os meus olhos, e vi, e eis que um carneiro estava diante do rio, o qual tinha dois chifres; e os dois chifres eram altos, mas um era mais alto do que o outro; e o mais alto subiu por último. Vi que o carneiro dava marradas para o ocidente, e para o norte e para o sul; e nenhum dos animais lhe podia resistir; nem havia quem pudesse livrar-se da sua mão; e ele fazia conforme a sua vontade, e se engrandecia. E, estando eu considerando, eis que um bode vinha do ocidente sobre toda a terra, mas sem tocar no chão; e aquele bode tinha um chifre insigne entre os olhos. E dirigiu-se ao carneiro que tinha os dois chifres, ao qual eu tinha visto em pé diante do rio, e correu contra ele no ímpeto da sua força. E vi-o chegar perto do carneiro, enfurecido contra ele, e ferindo-o quebrou-lhe os dois chifres, pois não havia força no carneiro para lhe resistir, e o bode o lançou por terra, e o pisou aos pés; não houve quem pudesse livrar o carneiro da sua mão. E o bode se engrandeceu sobremaneira; mas, estando na sua maior força, aquele grande chifre foi quebrado; e no seu lugar subiram outros quatro também insignes, para os quatro ventos do céu. E de um deles saiu um chifre muito pequeno, o qual cresceu muito para o sul, e para o oriente, e para a terra formosa. E se engrandeceu até contra o exército do céu; e a alguns do exército, e das estrelas, lançou por terra, e os pisou. E se engrandeceu até contra o príncipe do exército; e por ele foi tirado o sacrifício contínuo, e o lugar do seu santuário foi lançado por terra. E um exército foi dado contra o sacrifício contínuo, por causa da transgressão; e lançou a verdade por terra, e o fez, e prosperou. Depois ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando durará a visão do sacrifício contínuo, e da transgressão assoladora, para que sejam entregues o santuário e o exército, a fim de serem pisados? E ele me disse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado. E aconteceu que, havendo eu, Daniel, tido a visão, procurei o significado, e eis que se apresentou diante de mim como que uma semelhança de homem. E ouvi uma voz de homem entre as margens do Ulai, a qual gritou, e disse: Gabriel, dá a entender a este a visão. E veio perto de onde eu estava; e, vindo ele, me amedrontei, e caí sobre o meu rosto; mas ele me disse: Entende, filho do homem, porque esta visão acontecerá no fim do tempo. E, estando ele falando comigo, caí adormecido com o rosto em terra; ele, porém, me tocou, e me fez estar em pé. E disse: Eis que te farei saber o que há de acontecer no último tempo da ira; pois isso pertence ao tempo determinado do fim. Aquele carneiro que viste com dois chifres são os reis da Média e da Pérsia, mas o bode peludo é o rei da Grécia; e o grande chifre que tinha entre os olhos é o primeiro rei; o ter sido quebrado, levantando-se quatro em lugar dele, significa que quatro reinos se levantarão da mesma nação, mas não com a força dele. Mas, no fim do seu reinado, quando acabarem os prevaricadores, se levantará um rei, feroz de semblante, e será entendido em adivinhações. E se fortalecerá o seu poder, mas não pela sua própria força; e destruirá maravilhosamente, e prosperará, e fará o que lhe aprouver; e destruirá os poderosos e o povo santo. E pelo seu entendimento também fará prosperar o engano na sua mão; e no seu coração se engrandecerá, e destruirá a muitos que vivem em segurança; e se levantará contra o Príncipe dos príncipes, mas sem mão será quebrado. E a visão da tarde e da manhã que foi falada, é verdadeira. Tu, porém, cerra a visão, porque se refere a dias muito distantes. E eu, Daniel, enfraqueci, e estive enfermo alguns dias; então levantei-me e tratei do negócio do rei. E espantei-me acerca da visão, e não havia quem a entendesse."

[4] Foi a batalha de Isso, em 333 AC, não a vitória de Granico no ano precedente, que fez de Alexandre o senhor da Palestina. A batalha decisiva que trouxe o império persa a um fim, foi em Arbela, em 331 AC. Alexandre morreu em 323 AC, e a distribuição definitiva de seus territórios entre seus quatro principais generais, seguiu a batalha de Ipso, em 301 AC. Nessa divisão, a parte de Seleuco incluiu a Síria ("o rei do norte"), e Ptolomeu ficou com a Terra Santa e com o Egito ("o rei do sul"); mas a Palestina depois disso foi conquistada e mantida pelos selêucidas. Cassandro ficou com a Macedônia e a Grécia; e Lisímaco recebeu a Trácia, parte da Bitínia e os territórios entre elas e o rio Meandro.

[5] O mesmo comentário aplica-se à visão do segundo capítulo, a ascensão do Império Romano, sua futura divisão, e sua destruição final, sendo apresentado em uma única visão.

[6] Isto é, o reino conforme Daniel tinha profetizado acerca dele. Sobre isso, veja Pusey, Daniel, pág. 84.

[7] Daniel 12:1; Mateus 24:21. Discutir qual teria sido o curso dos eventos tivessem os judeus aceitado a Cristo é mera frivolidade. Mas é legítimo investigar como os judeus que creram, inteligentes nas profecias, puderam ter esperado o reino, vendo que a divisão em dez partes do Império Romano e a ascensão do "chifre pequeno" tinham de ocorrer primeiro. A dificuldade desaparecerá se observarmos quão subitamente o Império Grego foi desmembrado com a morte de Alexandre. De maneira similar, a morte de Tibério poderia ter levado à divisão imediata dos territórios de Roma e a ascensão do perseguidor predito. Em uma palavra, tudo o que restava não cumprido das profecias de Daniel poderia ter sido cumprido nos anos que ainda tinham de transcorrer das setenta semanas.

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Data da publicação: 23/2/2005
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