O Príncipe Que Há de Vir

(The Coming Prince)

Sir Robert Anderson

(1841-1918)

CAPÍTULO 6

O ANO PROFÉTICO

Em nosso idioma pode parecer pedante falar em "semanas" de um modo diferente da acepção familiar do termo. No entanto, para o judeu, isso é bem diferente. O efeito de suas leis "torna a palavra semana capaz de significar um período de sete anos quase tão naturalmente quanto de sete dias. A generalidade da palavra teria esse efeito de qualquer forma. Assim, seu uso para indicar o último significado na profecia não é meramente um simbolismo arbitrário, mas o uso de uma linguagem familiar e facilmente compreendida." [1]

A oração de Daniel referencia os setenta anos já cumpridos: a profecia que veio em resposta à oração predisse um período de sete vezes setenta ainda por vir. Mas aqui surge uma questão que nunca recebeu observação suficiente na consideração deste assunto. Ninguém duvidará que a era seja um período de anos; mas de que tipo de ano ela é formada? Que o ano judaico era lunissolar parece ser razoavelmente certo. Se podemos confiar na tradição, Abraão preservou em sua família o ano de 360 dias, que ele tinha conhecido em seu lar caldeu. [2] As datas dos meses do dilúvio (150 dias são especificados como o intervalo entre o sétimo dia do segundo mês e o mesmo dia do sétimo mês) parecem mostrar que essa forma de ano foi a primeira conhecida pela humanidade. Sir Isaac Newton diz que, "Todas as nações, antes da duração exata do ano solar ser conhecida, reconheciam os meses pelo curso da lua, e os anos pelo retorno do inverno e do verão, da primavera e do outono; e, ao criarem calendários para seus festivais, consideravam trinta dias para um mês lunar, e doze meses lunares para um ano, tomando os números redondos mais próximos; daí veio a divisão da eclíptica em 360 graus." Adotando essa afirmação, Sir. G. C. Lewis diz que "todo o testemunho crível e todas as probabilidades antecedentes levam ao resultado que um ano solar contendo doze meses lunares, determinados dentro de certos limites de erro, foi em geral reconhecido pelas nações próximas ao Mediterrâneo, desde uma Antigüidade remota." [3]

Entretanto, considerações desse tipo não vão além de provar o quão legítima e importante é a questão aqui proposta. A investigação permanece se existe qualquer base para reverter a suposição em favor do ano civil comum. Agora, a era profética é claramente sete vezes setenta anos das "desolações" que estavam diante da mente de Daniel quando a profecia foi dada. É possível então se certificar do caráter dos anos dessa era menor?

Uma das ordenanças características da lei judaica era que em todo sétimo ano a terra deveria repousar, e foi em relação à negligência a essa ordenança que a era das desolações foi decretada. Ela deveria durar "até que a terra se agradasse de seus sábados; todos os dias da assolação repousou, até que os setenta anos se cumpriram." [2 Crônicas 36:21; confira Levítico 26:34-35]. O elemento essencial no julgamento foi, não uma cidade em ruínas, mas uma terra tornada desolada pelo terrível castigo da invasão hostil [compare Jeremias 27:13; Ageu 2:17] os efeitos da qual foram perpetuados pela fome e pela peste, as provas contínuas da insatisfação divina. É óbvio, portanto, que a verdadeira data de início do julgamento não é, como tem sido geralmente assumido, a captura de Jerusalém, mas a invasão da Judéia. Desde o tempo em que o exército babilônio entrou no país, todas as atividades agrícolas foram suspensas e, portanto, o início das desolações pode ser considerado a partir do dia em que a capital foi sitiada, isto é, o dia dez do mês dez, no ano nono do reinado de Zedequias. Esse foi o início do período, conforme revelado a Ezequiel, o profeta exilado junto às margens do Eufrates [Ezequiel 24:1-2] e por vinte e quatro séculos esse dia tem sido observado com um jejum pelos judeus de toda a parte.

O encerramento da era é indicado na Escritura com igual definição, como o "vigésimo quarto dia do mês nono, no segundo ano de Dario" [4] "Considerai, pois, vos rogo, desde este dia em diante; desde o vigésimo quarto dia do mês nono, desde do dia em que se fundou o templo do SENHOR, considerai estas coisas... mas desde este dia vos abençoarei." Agora, a partir do décimo dia de tebete de 589 AC [5] ao vigésimo quarto dia de quislev de 520 AC, [6] há um período de 25.202 dias; e setenta anos de 360 dias contêm exatamente 25.200 dias. Portanto, podemos concluir que a era das "desolações" foi um período de setenta anos de 360 dias, iniciando no dia seguinte ao cerco de Jerusalém pelo exército babilônio e terminando no dia anterior ao lançamento dos alicerces do segundo tempo. [7]

Mas essa investigação pode ser levada ainda mais longe. Como a era das "desolações" foi fixada em setenta anos, por causa da negligência em cumprir os anos sabáticos [2 Crônicas 36:21; Levítico 26:34-35], podemos esperar encontrar que um período de sete vezes setenta, contados para trás, desde o encerramento dos setenta anos da "indignação contra Judá" nos levará ao tempo em que Israel entrou em seus plenos privilégios como nação e, assim, incorreu em suas plenas responsabilidades. Após investigação, esse fato pode ser verificado. Desde o ano seguinte à dedicação do templo de Salomão, até o ano anterior ao lançamento do alicerce do segundo templo, há um período de 490 anos de 360 dias cada. [8]

Entretanto, precisa ser admitido que nenhum argumento baseado em cálculos desse tipo é definitivo. [9] A única data que garantiria nossa aceitação sem reservas que o ano profético consiste de 360 dias, seria encontrar alguma porção da era subdividida nos dias em que ela é composta. Nenhuma outra prova pode ser totalmente satisfatória, mas se ela for vindoura, precisa ser absoluta e conclusiva. E é isso precisamente o que o livro do Apocalipse nos oferece.

Como já observado, a era profética está dividida em dois períodos, um de 7+62 semanas, e outro de uma única semana. [10] Conectados com essas eras, dois "príncipes" são proeminentemente mencionados; primeiro, o Messias e, segundo, o príncipe de um povo que destruirá Jerusalém — um personagem de tal proeminência, que em sua vinda sua identidade será tão certa quanto a do próprio Cristo. A primeira era encerra-se com o Messias sendo "cortado"; a data inicial da segunda era é a assinatura de uma "aliança", ou tratado, por esse segundo "príncipe", com o apoio de muitos, [11] que é a nação judaica, exceto, provavelmente, uma fração de pessoas piedosas que permanecerá distante e alheia. Na metade da semana de anos o tratado será violado pela supressão da religião dos judeus, e um tempo de perseguição terá início.

A visão de Daniel dos quatro animais permite um impressionante comentário sobre isso. A identidade do quarto animal com o Império Romano não é duvidosa, e lemos que um "rei" surgirá, conectado territorialmente com esse império, mas pertencendo historicamente a um tempo posterior; ele será o perseguidor dos "santos dos Altíssimo" e sua queda será seguida imediatamente pelo cumprimento das bênçãos divinas sobre o povo escolhido — o evento preciso que marca o encerramento das "setenta semanas". A duração dessa perseguição, além disso, é declarada como "um tempo, e tempos, e a metade de um tempo" — uma expressão mística, o significado da qual poderia ser duvidoso, se não fosse usada novamente na Escritura como sinônimo de três anos e meio, ou metade de uma semana profética. [Apocalipse 12:6,14] Agora não pode haver dúvidas da identidade do rei de Daniel 7:25 com a primeira "besta" do capítulo 13 de Apocalipse. No Apocalipse, ele é comparado a um leopardo, um urso e um leão — as figuras usadas para os três primeiros animais na visão de Daniel. Em Daniel existem dez reinos, representados pelos dez chifres. Assim também no Apocalipse. De acordo com Daniel, "ele proferirá palavras contra o Altíssimo, e destruirá os santos do Altíssimo"; de acordo com o Apocalipse "foi-lhe dada uma boca, para proferir grandes coisas e blasfêmias" e "foi-lhe permitido fazer guerra aos santos, e vencê-los." De acordo com Daniel, "eles serão entregues na sua mão, por um tempo, e tempos, e a metade de um tempo"; de acordo com o Apocalipse, "deu-se-lhe poder para agir por quarenta e dois meses."

Não é impossível, é claro, que a profecia possa prever a carreira de dois homens diferentes, correspondendo à mesma descrição, que buscarão seguir um curso similar em circunstâncias similares por um período de tempo similar de três anos e meio, mas a suposição mais natural e óbvia é que os dois são idênticos. Devido à própria natureza do assunto, a identidade deles não pode ser logicamente demonstrada, mas repousa precisamente no mesmo tipo de prova sobre a qual os jurados em um tribunal condenam os homens de crimes, e os prisioneiros condenados são punidos.

Agora, essa septuagésima semana é admitidamente um período de sete anos, e metade desse período é descrito três vezes como "um tempo, e tempos e a metade de um tempo" [Daniel 7:25; 12:7; Apocalipse 12:14] duas vezes como quarenta e dois meses; [Apocalipse 11:2; 13:5] e duas vezes como 1.260 dias. [Apocalipse 11:3; 12:6] Mas 1.260 dias são exatamente iguais a quarenta e dois meses de trinta dias, ou três anos e meio de 360 dias, enquanto que três anos e meio no calendário juliano contêm 1.278 dias. Segue-se, portanto, que o ano profético não está baseado no calendário juliano, mas no antigo ano de 360 dias. [12]

Notas de Rodapé do Capítulo 6

[1] Smith's Bibl. Dict. III, 1726, "Week". Filósofos gregos e latinos também conheceram "semanas de anos" — Pusey, Daniel, pág. 167.

[2] Encyc. Brit (sexta edição), título "Chronology". Veja também Smith's Bib. Dict., título "Chronology", pág. 314.

[3] Astronomy of the Ancient, cap. 1 e 7. Não tiveram os cento e oitenta dias da grande festa de Xerxes a intenção de serem equivalentes a seis meses? [Ester 1:4].

[4] Ageu 2:10,15-19. Os livros de Ageu e Zacarias dão por completo as palavras proféticas que a narrativa de Esdras [Esdras 4:24; 5:1-5] menciona como a sanção e incentivo para os judeus retornarem ao trabalho de construir o templo.

[5] O nono ano de Zedequias, Veja o Apêndice 1, post.

[6] O segundo ano de Dario Hispastes.

[7] A data da lua nova pascal, pelo qual o ano judaico é regulado, foi a noite de 14 de março de 589 AC, e aproximadamente meio-dia de 1 de abril de 520 AC. De acordo com as fases de 1 de nisã no ano anterior foi provavelmente o dia 15 ou 16 de março, e o último o dia 1 ou 2 de abril.

[8] O templo foi dedicado no décimo primeiro ano de Salomão, e o segundo templo foi fundado em 520 AC. O período intermediário considerado exclusivamente foi de 483 anos = 490 anos lunissolares de 360 dias. Vale a pena observar que o intervalo entre a dedicação do templo de Salomão e a dedicação do segundo templo (515 AC) foi de 490 anos. Um período similar transcorreu entre a entrada em Canaã e a fundação do reino sob Saul. Esses ciclos de setenta anos, e múltiplos de setenta, na história dos hebreus é impressionante e interessante. Veja o Apêndice 1.

[9] Embora seja evidentemente confirmado pelo fato seguro que o ano sabático judaico era contíguo, não com o ano solar, mas com o eclesiástico.

[10] A divisão das 69 semanas em 7+62 é explicada pelo fato que os primeiros 49 anos, durante os quais a restauração de Jerusalém foi completada, terminaram com uma grande crise na história judaica, o fechamento do testemunho profético. Quarenta e nove anos a partir de 445 nos leva até a data da profecia de Malaquias.

[11] "A multidão" — Tregelles, Daniel, pág. 97.

[12] Vale a pena observar que a profecia foi dada em Babilônia, e o ano babilônio consistia de doze meses de trinta dias. Que o ano profético não é o ano ordinário não é nenhuma nova descoberta. Ele foi observado dezesseis séculos atrás por Júlio Africano, em sua Cronografia, em que ele explica as setenta semanas como semanas de anos judaicos (lunares), iniciando com o vigésimo ano de Artaxerxes, o quarto ano da Octogésima Terceira Olimpíada, e terminando no segundo ano na Ducentésima Segunda Olimpíada; 475 anos julianos são iguais a 490 anos lunares.

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Data da publicação: 28/2/2005
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