O Aparecimento dos Tecnodeuses

Parte 1: A Fusão do Transumanismo com a Espiritualidade

Autor: Carl Teichrib, Forcing Change, Volume 4, Edição 10.


A moça que estava atrás do balcão no quiosque de informações nas imediações do Templo Mórmon, em Salt Lake City, perguntou se iríamos participar da conferência.

"— Não da conferência", minha mulher explicou, "mas de uma conferência".

Um olhar momentâneo de confusão apareceu na face da recepcionista. Afinal, a Conferência Geral dos Santos dos Últimos Dias iria começar dentro de mais algumas horas e, para a comunidade mórmon, a Conferência Geral é o evento do ano. Por qual outra razão estávamos ali em Salt Lake City?

Tentei esclarecer: "— Estamos aqui para participar de uma conferência patrocinada pela Associação Mórmon Transumanista, que será realizada na Universidade." Isto não ajudou muito.

Como aquela recepcionista mórmon, você também provavelmente está se perguntando: "O que é transumanismo?"

Em resumo, Transumanismo é o objetivo final máximo da tecnocracia. Em edições anteriores, publicamos uma série de artigos sobre a tecnocracia como um meta-movimento: a ideia que as obras das mãos do homem podem salvar a humanidade — de modo que a tecnologia e a ciência formam a base de uma sociedade tecnocrática.

O Transumanismo leva isto à sua conclusão final: o desenvolvimento do pós-humano, ou do neo-humano.

Com base na premissa que a Evolução é verdadeira, o Transumanismo procura moldar a espécie humana por meio da aplicação direta da ciência. Em outras palavras, utilizando a tecnologia, podemos assumir o controle do processo evolucionário e modificá-lo conforme desejarmos e, desse modo, nos tornamos os mestres do nosso futuro. Para este fim, os defensores do Transumanismo aderem a uma diversidade de possíveis opções.

A Associação Mórmon Transumanista (MTA) nos dá uma visão geral:

"... visões de um futuro neo-humano evoluirão à medida que o tempo passar. Como imaginado agora, características neo-humanas possíveis, todas envolvendo avanços tecnológicos para as atuais capacidades humanas, incluem:

  • Capacidade intelectual altamente avançada, maior do que a nossa em magnitude quanto a nossa é superior à capacidade dos outros animais.

  • Corpos físicos que são imunes à doença e ao envelhecimento.

  • Capacidade de comunicar pensamentos complexos e emoções instantaneamente sem auxílios visuais ou comunicação oral.

  • Maior capacidade sensorial, permitindo até o conhecimento de ambientes distantes.

  • Força e agilidade super-humanas.

  • Controle perfeito dos desejos individuais, do humor ou dos estados mentais.

  • Maior capacidade para experimentar a alegria, o amor, o prazer e outras emoções." [1].


Cinco Breves Pontos Sobre o Transumanismo

  • Adota como premissa a crença que a evolução é verdadeira.
  • Baseado, portanto, na capacidade do homem de moldar a direção da evolução humana por meio da tecnologia.

  • O objetivo final é a Ascensão da Humanidade: o homem se torna um deus.
  • Avanços técnicos, tanto na teoria quanto na prática, estão agora prontos para modificar a sociedade.

  • A espiritualidade precisa exercer um papel no transumanismo: o aparecimento de um conjunto central e global de valores, baseados no universalismo, surgirá para guiar a aceitação religiosa rumo à Ascensão.

Força super-humana! Longevidade e uma vida livre de doenças! Comunicação de uma mente a outra... Isto tudo soa como ficção científica, ou ciência-mágica?

Embora pareçam menos mágicos, os seguintes exemplos também são alucinantes. Eles representam uma porção da pesquisa deste autor e são considerados caminhos que nos levam para além da humanidade:

1. DNA: Agora que estamos descobrindo os segredos do DNA, podemos alterar nossa constituição genética para aumentar as características desejáveis e bloquear as negativas. Acredita-se que essa ação produzirá longevidade e erradicará as doenças. Outros resultados possíveis incluem a produção de bebês no útero materno projetados de acordo com especificações desejadas, e até a introdução do DNA de outras espécies no código genético humano, desse modo criando um "Humano Avançado", equipado com características físicas e cognitivas mais desenvolvidas. Esse ser transumano/híbrido seria um "transgênico" — literalmente, um ser humano geneticamente modificado.

2. Interface de Computador e Inteligência Artificial: À medida que os segredos do cérebro forem descobertos, chegará um tempo em que a mente terá uma interface eficiente com o ciberespaço. Acredita-se que nesse cenário, o cérebro, uma vez conectado, poderá permitir que a mente navegue pela Internet, baixe e envie informações, receba atualizações de memória e convirja com uma comunidade mental cérebro-máquina global — formando um tipo de cibercolméia. Ou, de acordo com alguns puristas cibernéticos, isto permitirá que a consciência de um indivíduo deixe completamente os limites da carne e entre no ciberespaço como uma entidade eletrônica. Afinal, o cérebro, eles argumentam, é um órgão eletroquímico. Essa transferência da mente, acredita-se, poderá culminar naquilo que místico católico Pierre Teilhard de Chardin chamou de noosfera: o aparecimento de uma consciência viva e global. Assim, a Internet se tornará "viva".

Quando lhe perguntaram qual será o desenvolvimento mais importante nos próximos vinte anos, George Dvorsky, do Instituto para Ética e Tecnologias Emergentes, respondeu:

"As tecnologias de interface, que serão a ponte entre o cérebro humano e a Internet. Em vinte anos, nossa interação com a Internet será tão natural que a rede será considerada um órgão exossomático. As implicações incluem o acesso onipresente para todos os bancos de conhecimento na Internet e a tecnopatia". [2].

Outra versão da abordagem da noosfera é por meio da Inteligência Artificial — particularmente dentro do modelo da computação global. Neste cenário, o sistema assume um tipo de vida cibernética quando redes de computação supersofisticadas coletam ativamente os dados do usuário e monitoram o comportamento on-line e então, independentemente, atuam com base nesse conhecimento coletivo. Hoje, os teóricos pós-humanos estão contemplando como será esse modelo de Inteligência Artificial global, incluindo "programas de simulação" globais que poderão tabular e buscar modos mais eficientes de organizar a sociedade transumana.

3. Nanobôs: Injetando nano-robôs (robôs programáveis e quase microscópicos) no corpo humano, as células e tecidos poderão ser manipulados em detalhe. Células mortas poderão ser caçadas e eliminadas. Drogas farmacêuticas poderão ser aplicadas diretamente nos tecidos afetados por alguma doença. A manutenção da interface cérebro-computador poderá ser feita no nível microscópico. A humanidade poderá ser reconfigurada célula por célula. Os nanobôs poderão ser introduzidos por injeção, ou colocados dentro de uma drágea de medicamento.

Os exemplos acima estão baseados em pesquisa teórica e em realidades atuais. Considere a tecnologia dos organismos geneticamente modificados (OGM), que estão em uso desde os anos 1960s. [3]. A colheita de OGM é fundamental na agricultura, especialmente com a canola. Mas, a ciência vai além das plantas; cientistas chineses anunciaram recentemente que criaram um macaco transgênico que será usado em experiências médicas. [4] Pouco tempo atrás, a empresa Kraig Biocraft afirmou que modificou geneticamente o bicho-da-seda para produzir o fio da teia de aranha [5] e, em 2009, uma equipe de cientistas espanhóis criou um clone do extinto cabrito montês dos Pirineus — que viveu somente por um curto período de tempo, porém demonstrou o potencial de recriação de espécies extintas. [6].

Da mesma forma, a interface com o cérebro e os implantes da mente, junto com a nanotecnologia, não são mais assunto só da ficção científica. Muito trabalho teórico está sendo realizado, as experiências estão sendo feitas e grandes avanços já ocorreram. O que já foi alcançado é incrível; a questão não é mais "devemos tentar alterar a espécie humana?". Mas "qual será a nova experiência humana?" Ironicamente, enquanto o futuro está sendo desenvolvido nos laboratórios e institutos técnicos, o fundamento do transumanismo repousa em um desejo antigo: o homem quer ser uma divindade, quer atingir a Apoteose. Portanto, o pós-humanismo é a busca técnica pelo Santo Graal, a ascensão por meio da engenharia. É a alquimia e a magia dos dias atuais, a manifestação contemporânea da Doutrina Secreta: "Tudo é Um, e esse Um é Divino". [7] Ou, dito de outro modo: "Jesus não é menos divino, pois todos os homens podem alcançar a mesma perfeição divina." [8].

Mark Pesce, um co-inventor da interface de terceira dimensão para a rede mundial da Internet, membro da mesa de discussões e juiz no programa The New Inventors (Novos Inventores) da Rede ABC de Televisão, explica da seguinte forma:

"Uma vez que o genoma foi transcrito, uma vez que soubemos o que nos fazia humanos — naquele momento — passamos para o transumano. Conhecendo nossos códigos, podemos recriá-los em nossas assim chamadas linhas sintéticas de 1s e 0s. Vida Artificial."

"Agora, descobrimos o multiverso, onde nada é verdade e tudo é permissível. Agora, chegaremos ao improvável, o resequenciamento de nós mesmos para nos tornarmos um novo ser, depurar o estado natural e nos traduzir para o sobrenatural, incorruptível, eterno."

"Não existe Deus, somente o Homem." [9].

Pesce, um influente transumanista, retrata a ascensão em termos biblicamente distorcidos.

"Os homens morrem, os planetas morrem, até as estrelas morrem. Sabemos tudo isto. Como sabemos, buscamos algo mais — uma transcendência da transitoriedade, uma tradução para a forma incorruptível. Uma fuga, por assim dizer, uma parada na direção. Buscamos, portanto, abençoar a nós mesmos com o perfeito conhecimento e a perfeita vontade: Tornar-se um deus, tomar o universo nas mãos e transformá-lo à nossa imagem — para nossa própria satisfação. Como é na Terra, assim será também nos céus."

"O resultado inevitável da incrível improbabilidade, a seta da evolução está nos indicando o transumano — uma apoteose para a razão, a salvação — obtida pelas boas obras.” [10].

O pesquisador em clonagem humana Richard Seed faz uma feia inserção no assunto:

"Vamos nos tornar deuses. Ponto final. Se você não gosta da ideia, caia fora. Você não precisa dar sua contribuição e nem é obrigado a participar. Mas, se quiser interferir e me impedir de me tornar um deus, então teremos uma grande briga. Teremos uma guerra." [11].

Esta citações acima são perturbadoras, mas é o Transumanismo um movimento sério, ou apenas uma nova onda de alguns sonhadores utópicos? Claro, a tecnologia para alterar a humanidade e moldar a sociedade já existe ou estará disponível em bem pouco tempo, mas é o Transumanismo um movimento real, ou apenas uma nova moda tecnológica? A resposta para este dilema pode ser descoberta seguindo-se o rastro do dinheiro. Se é somente uma moda, você pode esperar que o patrocínio reflita apenas um nível de amadorismo. Entretanto, se o Transumanismo for mais do que apenas uma curiosidade tecnológica passageira, então os patrocinadores e sócios serão reconhecíveis. Atores significativos precisam estar envolvidos. Isto está acontecendo?

Caso em vista: Singularity University (http://www.singularityu.org). Criada como um instituto de liderança, a Singularity é reconhecida por suas posições a respeito do Transumanismo e mudança social radical. Essa escola lida com os aspectos teóricos do Transumanismo e as tecnologias emergentes, com um olho voltado para o crescimento exponencial do conhecimento e da ciência. Até mesmo o nome fala do vindouro mundo pós-humano, pois "singularity" (singularidade) representa um ponto em um tempo futuro quando a mudança tecnológica ocorre tão depressa que produz uma mudança qualitativa na sociedade: o nascimento de uma super-inteligência, a fusão do Homem e da Máquina. Assim, quem apóia financeiramente a Singularity?

Além da Singularity University, o programa transumanista está sendo avançado por meio do patrocínio de instituições bem-reconhecidas — como as Universidades de Oxford, Stanford e Caltech – e por grandes grupos sem fins lucrativos, como a Fundação Templeton. Outra organização transumanista que enfoca a nanotecnologia, o Foresight Institute, recebe patrocínio de grandes empresas, como Apple, Ford, ARCO, Beckman, Sun Microsystems, Mitsubishi, Intel, Xerox e outras. A US National Science Foundation também tem acompanhado o futuro do transumanismo, incluindo seu desenvolvimento ético e, em 2003, produziu um relatório sobre as tecnologias que avançarão as capacidades humanas; o relatório tinha o título Tecnologias Convergentes para a Melhoria do Desempenho Humano: Nanotecnologia, Biotecnologia, Tecnologia da Informação e Ciência Cognitiva. Finalmente, a DARPA — a Agência de Projetos Avançados de Defesa, que é tecnicamente um braço do Departamento de Defesa dos EUA – está trabalhando em programas que são transumanos em sua natureza, como o projeto Inteligência Física. De acordo com Michael Anissimov, diretor de mídia no Singularity Institute, a DARPA financia "dezenas de projetos de ampliação das capacidades humanas em todo o mundo." [12].

É muita coisa para ser apenas uma moda passageira.

Transumanismo e Mormonismo

Depois de viajar durante dois dias e atravessar uma província canadense e quatro estados americanos, tive a oportunidade de participar de uma conferência de um dia de duração, em 1 de outubro de 2010, em Salt Lake City, no estado de Utah. Foi uma longa viagem, mas a abrangência do evento tornou a viagem necessária: Transumanismo e Espiritualidade. Realizado na Universidade de Utah, o evento colocou apoiadores ateístas, mórmons, cristãos e budistas na mesma mesa. Ele foi patrocinado pelo primeiro grupo de interesses especiais e religiosos de Humanity+, a Associação Mórmon Transumanista. (Nota: Humanity+ era anteriormente conhecida como Associação Transumanista Mundial.).

Mas, por que o mormonismo? Isto não é difícil de entender. Considere o seguinte:

- Do livro Mormon Doctrine (Doutrina Mórmon), de Bruce R. McConkie:

"Essa exaltação que os santos de todas as épocas tão devotamente buscaram é a própria divindade. Divindade é ter o caráter, possuir os atributos e usufruir as perfeições que o Pai tem. É fazer aquilo que ele faz, ter os poderes que residem nele..." [tradução nossa][13].

- De Joseph Smith, fundador do mormonismo, também conhecido como Santos dos Últimos Dias:

"O próprio Deus era como somos agora; ele é um homem exaltado que está entronizado nos céus!... Aqui, então, está a vida eterna — conhecer o único Deus sábio e verdadeiro; e vocês têm de aprender como serem deuses vocês mesmos, e serem reis e sacerdotes para Deus, da mesma forma como fizeram todos os deuses antes de vocês, isto é, indo de um grau pequeno para o outro, e de um cargo pequeno para um maior... Para herdar o mesmo poder, a mesma glória e a mesma exaltação, até que vocês cheguem à posição de um deus, e ascendam ao trono do eterno poder, da mesma forma como aqueles que viveram antes." [tradução nossa][14].

- O líder mórmon, Brigham Young, enfatizou o estado de deus e a organização dos seres inteligentes, que por sua vez estão se tornando deuses.

"Acreditamos que existem muitos, muitos e muitos, que já entraram em poder, glória, majestade e domínio... e têm o poder de organizar os elementos e de criar mundos e de trazer à existência seres inteligentes em toda sua variedade que, por sua vez, se forem fiéis e obedientes ao seu chamado e criação, serão exaltados nos reinos eternos dos deuses." [15][tradução nossa].

A Associação Mórmon Transumanista reconhece que o objetivo maior no mormonismo é a transfiguração ou exaltação — o homem se tornando um deus. Falando sobre isto, a Associação publicou o seguinte em Sunstone, uma revista acadêmica e de discussões de assuntos dos Santos dos Últimos Dias:

"A tradição mórmon ensina que as eternidades consistirão de inumeráveis céus de tipos e graus diferentes, rumo aos quais nosso mundo pode avançar. Esses céus são habitados por uma pluralidade de deuses, aos quais poderemos nos unir à medida que emularmos e nos tornarmos como Deus..."

"Os profetas mórmons proclamaram que existe uma pluralidade de deuses, cada um dos quais se tornou deus emulando Deus e que é o destino final da humanidade, como filhos de Deus, se tornar deuses. Esses profetas viram que os humanos se unirão na criação de mundos e céus e no desenvolvimento de outros deuses, expandindo nossa influência por toda a eternidade e nos envolvendo em obras ainda maiores. " [16].

De acordo com a MTA, "o profeta Joseph Smith e os líderes mórmons subsequentes poderiam ser contados entre os humanistas religiosos cujas ideias informaram o surgimento do Transumanismo." [17].

Compreendendo esse conceito pós-humano, a MTA reconhece três áreas específicas em que o Transumanismo corrobora a fé mórmon:

  1. Fornece uma base racional para certas crenças dos Santos dos Últimos Dias.
  2. Promove o exercício dos Santos dos Últimos Dias de uma fé mais ativa nas noções mórmons sobre o futuro.

  3. Encoraja os Santos dos Últimos Dias a terem expectativas mais otimistas com relação ao futuro próximo. [18].

O Transumanismo dá ao Mormonismo uma medida de racionalidade baseada na ciência e nas realizações tecnológicas. O que era misterioso — tornar-se como um deus — é agora visto como tangível e compreensível. Por este motivo, a MTA afirma que "o conhecimento científico e o poder tecnológico" se encaixam perfeitamente com a exaltação humana.

Com isto em mente, a MTA desenvolveu uma teoria transumanista especificamente criada em torno dos ensinos mórmons: O Argumento do Novo Deus:

"Se não nos tornarmos extintos antes de nos tornarmos pós-humanos, então, dadas as suposições consistentes com a ciência contemporânea e as tendências tecnológicas, provavelmente já existem pós-humanos que são mais benevolentes que nós e que criaram nosso mundo. Se os pré-humanos são prováveis, então os pós-humanos provavelmente já existem. Se os pós-humanos provavelmente aumentaram mais rápido em capacidade destrutiva do que em defensiva, então os pós-humanos provavelmente são mais benevolentes do que nós. Se os pós-humanos provavelmente criaram muitos mundos como aqueles em seu passado, então os pós-humanos provavelmente criaram nosso mundo. A única alternativa é que provavelmente nos tornaremos extintos antes de nos tornamos pós-humanos." (O Argumento do Novo Deus, formulado por Lincoln Cannon e Joseph West).

Portanto...

Isto se encaixa com o paradigma mórmon: um Deus povoa a terra com almas, que estão presas em carne, na forma humana. Um grau de cada vez, esses humanos evoluem e são eventualmente exaltados, transcendendo e ascendendo à divindade. Então, cada um desses "novos deuses" povoa outros mundos com novas almas... e isto se repete sucessivamente. No Argumento do Novo Deus, é afirmado que os pós-humanos provavelmente são benevolentes porque, embora possuam poderes de destruição, ainda não fomos destruídos.

Transumanismo e Espiritualidade

Assim, como será a espiritualidade em um mundo transumano? O que será a experiência neo-humana a partir de um ponto de vista religioso? Como o cristianismo será tratado em um ambiente pós-humano? Foram estas questões que me levaram a fazer a longa viagem pelo continente. Felizmente, a agenda do dia iria discutir essa nova matriz de ciência e espiritualidade. Entre os 14 apresentadores, estavam:

Assim, como a espiritualidade se encaixa dentro de um paradigma neo-humano? Aqui estão alguns dos pontos principais com base em minhas anotações e as gravações em áudio durante o evento:

- Na primeira palestra do dia, intitulada "Temor e Tremor na Torre de Babel", foi observado que os mitos em todas as épocas falam da luta do homem com o divino. Durante a sessão de perguntas e respostas após a palestra, foi dito que estamos agora em um ponto de retorno da Torre de Babel — podemos fazer tudo aquilo que imaginarmos. "Não há nada que esteja fora do nosso controle agora."

- Durante outra apresentação, foi sugerido que a criação e a evolução não são incompatíveis. Em vez de criação a partir do nada, devemos examinar a ideia de uma "forma organizada de evolução". Este conceito, a partir da perspectiva mórmon, emana de Abraão 4:20-25 (A Pérola de Grande Valor, uma das escrituras mórmons), onde "os Deuses prepararam a terra para produzir a criatura viva."

- Múltiplas entidades físicas e espirituais estão em uma luta pelos recursos escassos. Portanto, os espíritos têm interesses nos seres humanos e as interações entre o espiritual e o físico moldam nossas realidades sociais, políticas e econômicas. Portanto, a evolução da humanidade requer que tenhamos uma transição ideológica, uma transição que nos leve a assimilar as tendências individuais — como o instinto de sobrevivência — dentro da família maior de entidades relacionais. Essa integração enfatizará o valor do grupo sobre o indivíduo. Estamos todos conectados diretamente um ao outro.

- Toda a vida está interconectada na busca por progresso eterno e perfeição espiritual. Três pensadores de quem podemos receber dicas e instruções são: John A. Widtsoe, um filósofo mórmon que acreditava na evolução limitada e que trabalhou para fundir a religião com a ciência dentro da estrutura mórmon; Alfred North Whitehead, um matemático que criou a "Teologia do Processo" e postulou a interconectividade da existência; Pierre Teilhard de Chardin, que viu a humanidade se movendo em direção a um ponto Ômega com o nascimento da mente global — a evolução de Deus.

- Precisamos destruir os antigos mitos e criar novos mitos que se encaixem em uma visão pós-humana da espiritualidade. Isto será construído com base na Física Quântica: A religião é a física na conexão dos seres. Tudo está conectado porque tudo é parte da física. Portanto, os rituais religiosos são algoritmos programáveis. (Nota: Observe como a Física Quântica forma uma ponte pseudo-espiritual entre as diferentes fés.)

- A sociedade precisa fazer a transição de um projeto industrial que consome intensamente energia para uma mentalidade de ecossistema. Isto pode ser feito por meio da Teoria do Enxame e da Colmeia (também conhecida como Teoria do Caos), com sua ênfase em organização descentralizada e espontânea. Portanto, precisamos lançar fora o individualismo e adotar a organização coletiva. O Transumanismo se torna então o "superorganismo da família humana", completo com um código comum de valores. Nesta cosmovisão, os sistemas de valores gravitam em torno de grupos de auto-seleção que compartilham os objetivos de transformação. Uma psicologia global, positiva e assertiva emergirá como um tipo de parametricismo cultural (modelagem dinâmica).

- O Transumanismo cristão reconhece que a fé e as obras levam à salvação. Que o Logos não é estático ou fixo, mas que é dinâmico e em evolução. Ele pode ser descrito na seguinte fórmula, que seria melhor considerada como um círculo: Criação — Caos — Processo cognitivo; crescimento e compreensão — Evolução consciente — Ascensão; o retorno a uma singularidade = Consciência universal ou o Estado Crístico. "Estamos crescendo por fé e por obras de volta a esse ponto singular, em que todos participamos porque todos vamos experimentar esta mesma sensação."

- A palestra de Max More foi intitulada "Apoteose e Progresso Perpétuo". Ele iniciou com uma história pessoal sobre não acreditar em Jesus e em ir para o inferno. Ele observou que a versão moderna do Transumanismo está enraizada no Humanismo e na Era do Iluminismo e que os transumanistas, em sua maioria, são ateus ou agnósticos.

Embora seja um ateísta no sentido da concepção cristã em um Deus, More pôde ver a importância de encontrar compatibilidade entre o programa neo-humano e a religião. Entretanto, ele estava preocupado, pois a noção de divindade "é uma ideia limitada demais no sentido tradicionalmente concebido..." Se o progresso perpétuo ocorrer, então a mudança perpétua é inevitável, e assim também nosso conceito limitado de Deus avançará à medida que "progredirmos".

"Estou mais inclinado a querer desencorajar a discussão sobre deuses no Transumanismo, independente se somos religiosos ou não — acho que provavelmente podemos fazer melhor do que isto... afinal, muitos dos conceitos tradicionais não são muito esclarecedores ou inspiradores, especialmente as versões mais antigas, como no Velho Testamento... uma criança petulante... um sadista cósmico que parece gostar de preparar as coisas para nos torturar."

- A espiritualidade não é sobre o "Eu" mas "aquilo que cria o Nós". É sobre uma crescente percepção da nossa evolução dentro do contexto da interconexão. De acordo com Dorothy Deasy, uma transumanista cristã, que aceita o modelo de Darwin, uma nova via é necessária.

"É vital que os transumanistas espirituais tenham uma voz, que sejam a Terceira Via entre o fundamentalismo e a criação sem Deus [referindo-se ao ateísmo]. Estamos vivendo em um tempo em que se entregar a uma das formas de pensamento, ciência ou espiritualidade, pode ter consequências sociais perigosas. Uma sugestão é incentivar as comunidades religiosas a evoluírem suas percepções a respeito de Deus, e readotarmos o sagrado..."

Ela demonstrou a importância de uma teologia evolutiva e de uma espiritualidade emergente:

"Enquanto o Transumanismo for visto como uma ameaça à fé e à própria humanidade, a resistência somente aumentará. Uma espiritualidade evoluída construirá uma ponte para mostrar o Transumanismo como aquilo que ele tem o potencial de ser, o ser humano — o cocriador teônomo.

"Uma teologia evoluída ajudará a garantir que o futuro que desenvolvemos estará, na verdade, alinhado com a lei de Deus..."

"... Para mim, evoluir nossa teologia significa colocar os Ensinos da Sabedoria na frente e usar as histórias e personalidades somente como suporte. Isto também pode significar romper com a exclusividade religiosa e adotar a vasta diversidade de crenças, ações e locais em que o Sagrado pode ser encontrado. A teologia evolutiva reintroduz uma confiança no paradoxo... ter propostas ou emoções contraditórias simultaneamente. Ela é o oposto da certeza."

"O papel dos guias espirituais é substituir o dogma pelo questionamento, levar seus seguidores a examinarem seus sistemas de crenças e fazerem perguntas maiores. Parte da espiritualidade evolutiva é prestar atenção à forma como imaginamos Deus. Deus pode ser imaginado dentro de um modelo que vai do concreto ao conceitual... Deus pode ser visto como uma experiência. Os milagres no Novo Testamento podem ser lidos como exemplos exagerados, usando a forma de histórias, ou os modos em que Deus é expresso em nossas vidas..."

- A espiritualidade do Transumanismo poderia ser considerada a "Religião da Próxima Geração" e precisa ser demonstrada como uma religião "legal", que unifica a humanidade.

O Transumanismo e o Cristianismo Bíblico

Portanto, onde é que o Cristianismo bíblico se encaixa aqui? Os pontos de discussão acima mostram que o cristianismo bíblico não é compatível com a aplicação espiritual do Transumanismo. O Cristianismo bíblico reconhece somente um Deus; tentar uma ascensão e se tornar como Deus é o máximo do orgulho — a queda de Lúcifer. Além disso, a exclusividade bíblica — Jesus Cristo é o "único caminho para o Pai" — não pode ser entrelaçada nesse universalismo espiritual. Portanto, não foi surpresa ouvir as posições bíblicas tradicionais serem alvo de zombaria.

Embora Max More tenha ligado Jeová a uma "criança petulante", foi James Hughes quem deu a maior bordoada nos cristãos evangélicos e conservadores durante sua palestra. A implicação era clara: Os cristãos evangélicos mantêm crenças fora de moda e estão imersos em uma paranoia religiosa. Entretanto, as tradições hindu e budista, se encaixam melhor com o Transumanismo por causa da aceitação da Evolução. O Mormonismo também, ele reconheceu, poderia adotar um paradigma evolucionário.

Tom Horn, um pesquisador cristão que escreve e faz palestras sobre os perigos do Transumanismo foi chamado de maluco, e Al Mohler, presidente do Seminário Teológico Batista do Sul, também foi criticado por sua posição contrária à homossexualidade. Os cristãos evangélicos não foram vistos de forma favorável.

Os comentários do Sr. Hughes serviram de assunto para o painel final de Perguntas e Respostas. O painel teve início com uma pergunta de um expectador on-line: "Devemos procurar o diálogo com os cristãos fundamentalistas paranoicos que falam com veemência contra Humanity+, ou devemos buscar mais do que o diálogo, talvez até zombar deles?" Hughes respondeu que tinha entrevistado Tom Horn e que Tom Horn também o tinha entrevistado: "Acho que é uma coisa boa manter nossos inimigos o mais próximos que pudermos." Em seguida, ele soltou uma bomba:

"Como as energias apocalípticas e do novo milênio muito frequentemente inspiram a violência... assim, se eu tiver de me comunicar com alguém do outro lado que acha que sou um filho de Satanás, e estabelecer um relacionamento para que ele não venha atrás de mim com uma arma, é algo que eu tenha de fazer, estou disposto a fazer. Certo? É com aqueles que não me comunico ainda que estou preocupado."

Max More interferiu e acrescentou: "Não sou um filho de Satanás, sou filho de Lúcifer." Esse comentário provocou risos, mas More estava falando sério — apesar de ter um sorriso na face. O Sr. More escreveu em 1991 que:

"Lúcifer é a incorporação da razão, da inteligência, do pensamento crítico. Ele se posiciona contra o dogma de Deus e de todos os outros dogmas. Ele se posiciona a favor da exploração de novas ideias... Una-se comigo, una-se com Lúcifer e una-se com a Extropia na luta contra Deus e contra suas forças entrópicas com nossas mentes, nossas vontades e nossa coragem. O exército de Deus é forte, mas é apoiado pela ignorância, pelo medo e pela covardia. A realidade está fundamentalmente do nosso lado. Avante para a luz! [19].

Outra linha de questionamento examinou como iremos "evoluir espiritualmente" e se as religiões deveriam mudar no relacionamento com o Transumanismo. As respostas incluíram o desenvolvimento de valores de grupo comuns — incluindo civilidade (isto foi irônico, considerando-se como os evangélicos foram tratados durante o evento), fornecer foros para debates seguros com os cristãos fundamentalistas e a necessidade de criar "redes das questões espirituais". A ênfase no literalismo textual precisa ser diminuída. As igrejas, disse Dorothy Deasy, terão de se afastar da mitologia e se mover rumo à adoção de experiências orgânicas — ou cairão de vez.

Conclusão

Após deixar Salt Lake City, passei um tempo considerável refletindo no que tudo isto significava. As implicações são enormes. Aqui estão alguns pensamentos:

1) O Movimento Transumanista não é uma moda passageira e as indústrias e tecnologias que dão a esse movimento energia mudarão radicalmente nosso mundo.

2) Uma forma globalmente aceita de espiritualidade terá um papel cada vez maior na cosmovisão transumana.

3) Atualmente, em grande parte, os indivíduos envolvidos no movimento são antagônicos ao cristianismo evangélico. Algumas tentativas no futuro previsível poderão ser feitas para trazer as vozes dos cristãos preocupados para a mesa de discussão. Entretanto, com base no nível de zombaria — tanto neste evento quanto nas publicações sobre o Transumanismo — é questionável a sinceridade que essas aberturas terão. De qualquer modo, se os cristãos conservadores forem convidados a falar em um cenário de discussão do transumanismo, eles precisam estar equipados com a verdade, justiça, prontidão, fé e com a Palavra de Deus (Efésios 6:10-18). Além disso, precisarão ser apoiados em oração.

4) Ao expressar as preocupações e a oposição racional ao Transumanismo, é preciso tomar cuidado e evitar uma linguagem que possa ser interpretada como hostil ou que incite a violência. Os cristãos também não devem recorrer às ofensas pessoais ou à zombaria. Não somente isto é contrário à justiça, mas dá credibilidade aos estereótipos dos transumanistas sobre os cristãos conservadores.

Ironicamente, embora James Hughes fale sobre os perigos dos cristãos fundamentalistas violentos — citando Tom Horn em suas preocupações — alguns dos principais defensores do pós-humanismo, como Richard Seed, pronunciam abertamente guerra contra aqueles que se opõem ao seu objetivo de alcançar a divindade: "O único modo de me impedir é me matar. Mas, se você tentar me matar, eu o matarei." [20].

Para o Sr. Hughes e outros apoiadores do neo-humano, espero sinceramente que eu não esteja enganado, mas não tenho conhecimento de nenhum líder evangélico ou de alguma personalidade reconhecida dentro da cristandade, incluindo Tom Horn, que tenha defendido o uso da violência ou feito ameaças de morte contra os transumanistas.

5) Uma versão progressiva do cristianismo, representada como uma fé pronta para abraçar a diversidade religiosa e a evolução, será aceita dentro do ambiente transumanista. A espiritualidade emergente e o movimento interfé dentro da igreja se encaixarão perfeitamente com os sentimentos transumanistas. Observe também como grupos temáticos colocarão de lado as verdades bíblicas na busca por unidade interconectada.

6) Os cristãos precisam se manter informados. Este artigo apresentou somente uma introdução básica e, infelizmente, não existe muita literatura cristã sobre os assuntos do Transumanismo e da Tecnocracia. Em edições futuras de Forcing Change, pretendo fornecer uma lista de recursos. Entretanto, se você estiver inclinado a pesquisar mais, existe uma quantidade crescente de livros, revistas e sites seculares dedicados a explorar o Transumanismo. No entanto, tenha cautela, pois alguns desses materiais têm uma inclinação de Nova Era ou ocultista.

7) Como cristãos, precisamos ter em mente onde colocamos nossa fé. O Salmo 27:1 nos lembra: "O SENHOR é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O SENHOR é a força da minha vida; de quem me recearei?"

Notas Finais

  1. "Transfiguration: Parallels and Complements Between Mormonism and Transhumanism", Sunstone, março de 2007, Edição 145, pág. 32.
  2. George Dvorsky, "The Most Significant Tech of the Next 20 Years", Institute for Ethics and Emerging Technologies, 4 de novembro de 2010.
  3. "Transgenic plants – corporate or college?", The Cornell Daily Sun, 27 de outubro de 2010
  4. "Genetically engineered monkey could lead to Alzheimer’s cure", The Hindu, 31 de outubro de 2010.
  5. "Transgenic worms make tough fivers", MIT Technology Review, 27 de outubro de 2010.
  6. "Clone zone: Bringing extinct animals back from the dead", BBC News, Science & Environment, 29 de outubro de 2010.
  7. J. D. Buck, Mystic Masonry (Regan Publishing, 1925), pág. 70.
  8. J. D. Buck, Mystic Masonry, pág. 62.
  9. Mark Pesce, Becoming Transhuman. Este é o trabalho definitivo do Sr. Pesce em formato de vídeo. Cópias podem ser vistas em diversos sites de armazenamento de vídeos.
  10. Mark Pesce, Becoming Transhuman.
  11. Richard Seed, entrevistado no documentário Technocalyps, produzido por Frank Theys.
  12. "Giving the Grunts an Upgrade", Accelerating Future, http://www.acceleratingfuture.com/michael/blog/2007/03/darpas-transhumanist-research.
  13. Bruce R. McConkie, Mormon Doctrine (Bookcraft, 1989), pág. 321.
  14. Joseph Smith, conforme citado em Mormon Doctrine, pág. 321.
  15. Brigham Young, citado em "Transfiguration: Parallels and Complements Between Mormonism and Transhumanism", Sunstone, março de 2007, Edição 145, pág. 34.
  16. "Transfiguration: Parallels and Complements Between Mormonism and Transhumanism", Sunstone, março de 2007, Edição 145, pág. 34.
  17. "Transfiguration: Parallels and Complements Between Mormonism and Transhumanism", Sunstone, março de 2007, Edição 145, pág. 27.
  18. "Transfiguration: Parallels and Complements Between Mormonism and Transhumanism", Sunstone, março de 2007, Edição 145, pág. 36.
  19. Max More, "In Praise of the Devil", Atheist Notes, No. 3, 1991.
  20. Richard Seed, entrevistado no documentário Technocalyps, produzido por Frank Theys.

Parte 2: Manifestações Atuais da Religião Mais Influente do Mundo Ocidental: a Tecnocracia


Autor: Carl Teichrib, artigo original em http://www.forcingchange.org, Volume 4, Edição 10.
Data da publicação: 5/5/2011
Revisão: http://www.TextoExato.com
A Espada do Espírito: https://www.espada.eti.br/tecnodeuses-1.asp