Por Que É Necessário Cautela com o Acordo Entre a Santa Sé e o Brasil

Fonte: Concordat Watch

Sinopse: esse acordo servirá como um pé de cabra; ele usa os exemplos menos controversos possíveis de modo a introduzir princípios jurídicos que solaparão a laicidade do Estado brasileiro.

Introdução

Em um anúncio feito de surpresa na semana passada, foi revelado que em 1o de julho o Congresso começará a discutir o acordo que foi assinado em novembro de 2008. Isso estorvou as tentativas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dez dias atrás, de fazer o acordo ser votado em regime de urgência, um procedimento seguido para assuntos urgentes de defesa nacional.

Este é o fato mais recente em uma história que começou com o anúncio em novembro que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva pararia no Vaticano "a caminho de Washington". Entretanto, como se viu, aquilo foi mais do que uma visita de cortesia. Uma vez lá, o presidente foi conduzido à Sala dos Tratados, onde assinou a concordata. O governo brasileiro inicialmente a apresentou como um simples "acordo administrativo". Nas palavras de um editor brasileiro:

"Houve abraços, bênçãos, fotos e nenhuma declaração sobre o teor do encontro entre o presidente da República e o Sumo Pontífice. O noticiário dos dias seguintes foi insignificante, desencontrado e visivelmente despistador." [Alberto Dines, Observatório da Imprensa].

Os críticos observam que esse acordo parece ser um pé de cabra que encontra pretextos para introduzir diversos princípios jurídicos que solapam o Estado laico:

Não se sabe como o Vaticano conseguiu convencer o presidente brasileiro a assinar a concordata furtiva. Lula foi um líder sindical que enfrentou bravamente a antiga ditadura militar. Esse homem de ação simplesmente não foi capaz de reconhecer uma ditadura sorrateira que é implantada por meio de documentos, não pela força das armas.

Cláusula de Separação Igreja-Estado na Constituição Brasileira (Artigo 19):

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

  1. — estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

  2. — recusar fé aos documentos públicos;

  3. — criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Cuidado com Este Acordo

Para ler a íntegra do Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, dê um clique aqui.

Este acordo servirá como um pé de cabra; ele usa os exemplos menos controversos possíveis de modo a introduzir princípios jurídicos que solaparão a laicidade do Estado brasileiro.

O Acordo Impõe uma Lei Estrangeira no Brasil

O Artigo 3 introduz o Direito Canônico do Vaticano (da Igreja) no Brasil. Há uma limitação: "desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras". Entretanto, isso coloca sobre os brasileiros o ônus de provar que alguma regulamentação do Direito Canônico contraria o sistema jurídico do país. O acordo diz que o Direito Canônico será usado meramente dentro dos confins da Igreja. Entretanto, como isso inclui os serviços sociais administrados pela Igreja, na prática o acordo impõe a Lei Canônica na sociedade mais ampla, incluindo a vasta maioria de brasileiros católicos que tem visões mais modernas do que a Lei Canônica.

Primeiros Passos Rumo a uma "Concordata do Casamento"

O Artigo 12 parece preparar o terreno para a eventual introdução da "Concordata do Casamento", o que significa dizer, casamento de acordo com o Direito Canônico, sem a possibilidade de divórcio. Foi assim que aconteceu na Itália de Mussolini, e na Espanha de Franco. Para completar essa cláusula, tudo o que será necessário é "legislação brasileira sobre a homologação de sentenças estrangeiras" que faça a vinculação com as sentenças da Assinatura Apostólica, o tribunal de casamentos do Vaticano. Mas por que os cidadãos brasileiros devem permitir que seus casamentos sejam governados pelas leis de um país estrangeiro?

O acordo com o governo brasileiro menciona a possibilidade de anulação do casamento civil se o casamento religioso for desfeito. Entretanto, não é esse o verdadeiro objetivo da Igreja. Ela tem consistentemente usado o Direito Canônico para proibir os fiéis de fazerem uso do divórcio civil. O Artigo 15.2 da Concordata com a República Dominicana diz que "os cônjuges renunciam à possibilidade do divórcio, que não será aplicável a esses casamentos canônicos". Isso é o que a "Concordata do Casamento" realmente significa. "Legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras" é apenas um modo velado de dizer "o primado da Lei Canônica sobre o Código Civil Brasileiro".

O Vaticano tentou uma introdução similar em duas etapas da "Concordata do Casamento" na Polônia. O Artigo 10.6 pede mudanças na lei polonesa do matrimônio para dar "força" à concordata e negar àqueles que se casaram dentro da Lei Canônica o direito de tentar obter um divórcio civil (a não ser que deixem a Igreja, o que, na prática, pode se provar difícil). A Polônia ainda não aprovou a "lei habilitante", mas assim que um governo suficientemente pró-Vaticano chegar ao poder, a cláusula do casamento entrará em vigor, proibindo o divórcio.

O Brasil paga, a Igreja decide

O Artigo 5 coloca as organizações de serviço social da Igreja em uma posição de paridade jurídica e, portanto, financeira com os serviços sociais administrados pelo governo. Em outras palavras, o contribuinte brasileiro precisará subsidiar esses serviços sociais administrados pela Igreja. O Brasil, como a Alemanha, é particularmente vulnerável à colonização pelas regras jurídicas do Vaticano, pois elas se aplicam a inúmeras instituições da Igreja que oferecem serviços sociais. Em outros países, como na Alemanha e na Eslováquia, isso significou a ausência de serviços de planejamento familiar nos hospitais católicos e forçou os funcionários dessas instituições sociais a se submeterem à Lei Canônica em suas vidas privadas: nada de divórcios, nada de parcerias entre homossexuais, e nada de "viver em pecado".

O Brasil se torna o zelador do Vaticano

O Artigo 6 obriga o Estado brasileiro a "continuar a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis de propriedade da Igreja". Chamá-los de "patrimônio cultural e artístico" não altera o fato que o governo terá de pagar pela conservação e manutenção dos locais de adoração: consertar o telhado e os problemas no encanamento. A Igreja é extremamente rica e pode muito bem pagar pelos consertos em suas propriedades. O dinheiro poderia ser melhor utilizado para melhorar as condições de moradia da população que vive nas favelas.

A imunidade tributária da Igreja roubará o Tesouro brasileiro

O Artigo 15 garante à Igreja a imunidade tributária referente aos impostos das entidades filantrópicas. Entretanto, o histórico da Igreja em outros países mostra como isso é explorado para permitir que ela possa oferecer preços mais competitivos que seus concorrentes. Na Itália, por exemplo, um pequeno santuário dentro dos muros de um cinema, de um complexo turístico, de um restaurante ou de um hotel confere isenção, permitindo que a Igreja Católica deixe de pagar 90% daquilo que deve ao Estado por suas atividades comerciais.

Os brasileiros ficarão amordaçados

O Artigo 2 garante à Igreja o "exercício público de suas atividades", e o Artigo 7 proíbe qualquer forma de desrespeito às "suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais". A Igreja poderá realizar essas atividades fora do círculo dos fiéis, na praça pública, porém sem sofrer críticas da sociedade civil naquele local. A Itália também teve um tratado com o Vaticano, assinado por Mussolini, que sufocou a liberdade de expressão. No ano passado, por causa dos termos desse tratado, uma comediante italiana se viu diante da possibilidade de passar cinco anos na cadeia por "ofender a honra da sagrada e inviolável pessoa" de Bento XVI.

Catecismo nas Escolas Públicas

O Artigo 11 permite que a religião católica seja ensinada às crianças como "disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental". Foi também desse modo que começou na Polônia, vinte anos atrás. Um bispo polonês já admitiu que o primeiro passo foi colocar o catecismo nas escolas públicas e ensiná-lo como matéria facultativa; em seguida os salários dos professores do catecismo começou a ser pago pelos contribuintes; depois, as notas na matéria passaram a contar na média para aprovação. Desde então, um passo adicional foi anunciado: a partir de 2009, para muitos alunos, inclusive para os que não são católicos, o catecismo será, na prática, compulsório.

Negação dos direitos trabalhistas?

O Artigo 16 diz que, não apenas os clérigos, mas também os "fiéis consagrados mediante votos" e leigos que realizam tarefas "a título voluntário", não necessitarão da proteção da legislação trabalhista. Poderia isso ser ampliado para permitir que a Igreja faça no Brasil o que faz em outros países, como na Alemanha, onde obriga os funcionários a seguirem o Direito Canônico em suas vidas e trabalhar por menos do que o salário-hora normal?

Preso pela "cláusula da ratoeira"

O Artigo 18 parece inocente: "Quaisquer divergências na aplicação ou interpretação do presente acordo serão resolvidas por negociações diplomáticas diretas." Entretanto, isso significa que não se pode apelar para a Constituição ou recorrer aos tribunais brasileiros. O governo do Brasil terá de negociar com o Vaticano e conseguir sua concordância. Um país já tentou fazer isso. Em 2006, um ministro do gabinete húngaro viajou até o Vaticano para tentar renegociar a Concordata Financeira. Ele descobriu que ninguém lá tinha tempo para conversar com ele. A Igreja não abre mão de suas concordatas; elas são feitas em caráter permanente.



Fonte: "Concordat Watch", em http://www.concordatwatch.org/showtopic.php?org_id=15311&kb_header_id=37281
Data da publicação: 9/8/2009
Revisão: http://www.TextoExato.com
Patrocinado por: S. F. F. C. — Vargem Grande Paulista / SP
A Espada do Espírito: http://www.espada.eti.br/cw-04.asp